O hormônio indolaminérgico aprovado em 2021 pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA) para ser comercializado como suplemento alimentar, tem apresentado um crescimento exponencial de prescrições e utilização no Brasil. Neste artigo vamos destrinchar suas indicações terapêuticas, formas de utilização, efeitos colaterais e o que dizem as evidências científicas sobre a efetividade da melatonina.
O ritmo de vida dos centros urbanos associado com o uso excessivo de telas (como celulares, computadores etc.), juntamente com os agravamentos sociais e comportamentais provocados pela pandemia do Sars-Cov-2, associado a uma gama de outros fatores socioeconômicos, fizeram crescer exponencialmente os quadros de insônia na população (1,2). Dessa forma, a insônia é um quadro clínico muito presente na Atenção Primária e na Farmácia Comunitária. Embora a farmacoterapia não deva ser o único tratamento para a insônia, os medicamentos podem fazer parte de uma abordagem integrada que inclui estratégias comportamentais e tratamento de comorbidades relevantes.
A melatonina (N-acetil-5-metoxitriptamina) é uma pequena molécula lipofílica sintetizada sob influência do ciclo circadiano fisiológico pelo núcleo supraquiasmático (NSQ), sendo essencialmente secretada pela glândula pineal. É um hormônio indolaminérgico, sintetizado a partir do triptofano e derivado da serotonina após duas transformações enzimáticas (3,4).
No início das pesquisas com a melatonina acreditava-se que ela estava apenas associada a reorganização do ciclo circadiano, promoção de sono o e regulação dos ciclos reprodutivos sazonais(5). Atualmente o panorama se estendeu e a melatonina tem apresentado potencial como uma molécula neuro protetora, antioxidante, anti-inflamatório, antienvelhecimento, anticancerígeno e estão documentadas funções importantes na génese e agregação de plaquetas, na composição do sangue, no endotélio dos vasos, na atividade sexual, na temperatura corporal, entre outras (6,7).
Em 2021 a Anvisa aprovou o uso de melatonina para formulação de suplementos alimentares, para pacientes acima de 19 anos, com a recomendação de consumo diário máximo de 0,21 mg (8). Isto movimentou o debate sobre a prescrição de melatonina entre os profissionais de saúde, visto que suplementos alimentares são isentos de prescrição, sendo assim, podendo ser prescrito por farmacêuticos. Visto que até tal decisão, era tarjada e só podia ser feita por médicos em farmácias de manipulação.
A melatonina exógena pode ser útil para insônia no início do sono em alguns pacientes, embora não possua um efeito hipnótico muito potente, apresenta relevância no tratamento da insônia pois facilita o início do sono, diminuindo a excitação típica do Sistema Nervoso Central (SNC) à noite e ajuda a reforçar a periodicidade circadiana. Assim que administrada ela é rapidamente absorvida, sua meia-vida de eliminação é de aproximadamente 20 a 50 minutos. Os seus efeitos colaterais não estão bem estabelecidos por meio de estudos com qualidade metodológica, no entanto, os mais comumente relatados são sonhos vívidos e pesadelos, tonturas, sonolência diurna, dor de cabeça, sentimentos de curto prazo de depressão, irritabilidade e cólicas estomacais.
As doses típicas de melatonina estão na faixa de 1 a 5 mg, embora estejam disponíveis no mercado composições com doses tão baixas quanto 200 mcg e tão altas quanto 20 mg (9). Doses abaixo de 1 mg podem ser tão eficazes quanto quantidades maiores, o que justifica a decisão da ANVISA, sobre a dose máxima permitida para ser comercializada como suplemento alimentar. Os potenciais benefícios do uso de melatonina para insônia no início do sono podem ser melhorados com a sua administração algumas horas antes de dormir. Com a inclusão da melatonina como suplemento alimentar, houve uma ampla difusão, o que refletiu numa alta variedades de formas farmacêuticas disponíveis, de uso oral à sublingual e até mesmo uso tópico.
A melatonina é indicada para queixas predominantemente no início do sono (por exemplo, dificuldade em adormecer na hora desejada, passar mais de 30 minutos acordados antes de adormecer, mas uma vez adormecido consegue manter o sono sem muita dificuldade)(9). Uma revisão sistemática de 2020 identificou 12 meta-análises de ensaios randomizados controlados por placebo (3 a 13 ensaios por estudo, a maior análise incluiu 1.315 pacientes) com qualidade variando de moderada a criticamente baixa (10). Os autores concluíram que a melatonina resulta em uma melhora estatisticamente significativa, mas pequena, na latência do sono e no tempo total de sono, com falta de consenso sobre se os efeitos são clinicamente significativos.
Em 2020 foi lançado no Brasil o primeiro medicamento agonista dos receptores de melatonina MT1 e MT2, aprovado pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA) para o tratamento da insônia, o Ramelteon (Rozerem®), Como a melatonina, o Ramelteon facilita o início do sono, diminuindo a excitação típica do SCN à noite (MT1) e aparentemente ajuda a reforçar a periodicidade circadiana (MT2).
Enquanto profissionais-chave no uso racional de medicamentos devemos usar o senso crítico para avaliar a necessidade de uso desta substância pelo paciente e por outro lados devemos aproveitar a disponibilidade desta boa alternativa terapêutica de baixa complexidade posológica e de fácil administração para tratarmos uma queixa de insônia sem sinais de alerta, no âmbito do Cuidado Farmacêutico.
Referências
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